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Os efeitos negativos do álcool no desporto

O álcool é a droga de uso recreativo mais consumida a nível global e a sua ingestão, frequentemente em grandes volumes, está profundamente enraizada em muitos aspetos da sociedade ocidental.1

A ingestão excessiva de bebidas alcoólicas é também um comportamento observado em alguns atletas, particularmente em desportos de equipa1,2 e poderá interferir de forma negativa na saúde, composição corporal, performance e na recuperação dos treinos.2,3

Sistema hormonal

O consumo elevado de álcool (≥1,5 g/kg) promove a diminuição dos níveis de testosterona (em homens),4-8 hormona de crescimento,5,6,9 IGF-15 e da hormona antidiurética (vasopressina).10

Para além disso, também promove o aumento dos níveis de cortisol,4,6,11 prolactina4 12 e leptina.13

Metabolismo da glicose/glicogénio

A ingestão de etanol inibe a gliconeogénese hepática e o subsequente armazenamento e libertação de glicose no sangue.14,15

Também se sabe que a glicose é usada para fornecer energia para a síntese de proteína muscular durante a recuperação do exercício,16 o que poderá ter consequências negativas para o metabolismo muscular.2

Composição corporal

Para além do seu valor calórico (7 kcal/g), o álcool suprime a oxidação lipídica, aumenta a ingestão não planeada de comida e poderá dificultar o atingimento de objetivos de composição corporal.1,2

Com efeito, observou-se um aumento dos níveis de leucina com uma ingestão moderada de álcool (0,45g/kg), o que poderá promover o aumento da sensação de fome e, consequentemente, uma maior ingestão de comida.13

No período ao redor dos treinos

A ingestão de quantidades significativas de álcool, no período pré-treino e durante o treinos, tem efeitos negativos no metabolismo do exercício, na capacidade de termorregulação, nas capacidades técnicas e na capacidade de concentração dos atletas.1,2

De facto, os efeitos negativos do álcool na força e performance poderão persistir durante muitas horas, mesmo depois dos sintomas de intoxicação ou ressaca já não estarem presentes. Na fase pós-exercício, poderá interferir com a recuperação ao diminuir o armazenamento de glicogénio,17 as taxas de reidratação por via dos seus efeitos supressivos na hormona vasopressina10 e a síntese de proteína muscular, necessária para a reparação dos tecidos e promover a adaptação aos treinos.1,18

Efeitos na saúde

A nível global, o consumo de álcool é considerado o 7º principal fator de risco para a saúde e causa perdas substanciais para a saúde.19

Uma análise sistemática recente verificou que o risco de mortalidade por todas as causas e de cancro vai aumentando à medida que os nível de ingestão de álcool aumenta e que o nível de consumo que minimiza a perda de saúde é zero, sendo que nenhuma quantidade de álcool proporciona benefícios para a saúde cardiovascular.19

No seu estudo Holmes et al. também não encontraram evidências de uma associação em forma de ‘J’ para a ingestão de álcool e o risco cardiovascular.20

Para além disso, em ambientes frios, o consumo de álcool aumenta a vasodilatação periférica, resultando numa desregulação da temperatura central,21 e provavelmente exerce outros efeitos negativos, tais como perturbações no equilíbrio ácido-base, vias de citocinas-prostaglandinas e ainda a nível imunológico.1,22

Performance cognitiva

O álcool é um composto neurotóxico e um trabalho recente verificou que uma ingestão superior a apenas 10g/dia aumenta o risco de perturbações a nível cognitivo.23 Um outro estudo verificou que a diminuição da sua ingestão proporciona benefícios cognitivos, a todos os níveis de consumo.24

Para além disso, um estudo observacional de longa duração (30 anos) verificou que:25

  • A ingestão leve de álcool (<56g/semana) não teve efeitos protetores comparativamente à abstinência.
  • A ingestão moderada (112-168g/semana) aumentou em 3,4 vezes a probabilidade de atrofia do lado direito do hipocampo.
  • O consumo mais elevado (>240g/semana) aumentou em 5,8 vezes a probabilidade de atrofia do hipocampo, de maneira dependente da dose e também se associou a diferenças na microestrutura do corpo caloso e a um maior declínio da fluência lexical.

Conclusão

A literatura científica atual sugere que o consumo de álcool, sobretudo quando excessivo, é prejudicial para a saúde, rendimento desportivo e recuperação dos treinos.2

Por esse motivo, sugere-se que os atletas minimizem ou a evitem o consumo de álcool, principalmente durante o período pós-exercício, durante o qual a recuperação e a reparação de lesões são uma prioridade.2

➤ Mostrar/Ocultar Referências!
  1. Barnes MJ. Alcohol: impact on sports performance and recovery in male athletes. Sports medicine (Auckland, NZ). 2014;44(7):909-919.
  2. Thomas DT, Erdman KA, Burke LM. American College of Sports Medicine Joint Position Statement. Nutrition and Athletic Performance. Medicine and science in sports and exercise. 2016;48(3):543-568.
  3. Lourenco S, Oliveira A, Lopes C. The effect of current and lifetime alcohol consumption on overall and central obesity. European journal of clinical nutrition. 2012;66(7):813-818.
  4. Valimaki MJ, Harkonen M, Eriksson CJ, Ylikahri RH. Sex hormones and adrenocortical steroids in men acutely intoxicated with ethanol. Alcohol (Fayetteville, NY). 1984;1(1):89-93.
  5. Vatsalya V, Issa JE, Hommer DW, Ramchandani VA. Pharmacodynamic effects of intravenous alcohol on hepatic and gonadal hormones: influence of age and sex. Alcoholism, clinical and experimental research. 2012;36(2):207-213.
  6. Valimaki M, Tuominen JA, Huhtaniemi I, Ylikahri R. The pulsatile secretion of gonadotropins and growth hormone, and the biological activity of luteinizing hormone in men acutely intoxicated with ethanol. Alcoholism, clinical and experimental research. 1990;14(6):928-931.
  7. Mendelson JH, Mello NK, Ellingboe J. Effects of acute alcohol intake on pituitary-gonadal hormones in normal human males. The Journal of pharmacology and experimental therapeutics. 1977;202(3):676-682.
  8. Cicero TJ, Bell RD, Meyer ER, Badger TM. Ethanol and acetaldehyde directly inhibit testicular steroidogenesis. The Journal of pharmacology and experimental therapeutics. 1980;213(2):228-233.
  9. Tentler JJ, LaPaglia N, Steiner J, et al. Ethanol, growth hormone and testosterone in peripubertal rats. The Journal of endocrinology. 1997;152(3):477-487.
  10. Hobson RM, Maughan RJ. Hydration status and the diuretic action of a small dose of alcohol. Alcohol and alcoholism (Oxford, Oxfordshire). 2010;45(4):366-373.
  11. Murphy AP, Snape AE, Minett GM, Skein M, Duffield R. The effect of post-match alcohol ingestion on recovery from competitive rugby league matches. Journal of strength and conditioning research. 2013;27(5):1304-1312.
  12. Sarkola T, Makisalo H, Fukunaga T, Eriksson CJ. Acute effect of alcohol on estradiol, estrone, progesterone, prolactin, cortisol, and luteinizing hormone in premenopausal women. Alcoholism, clinical and experimental research. 1999;23(6):976-982.
  13. Rojdmark S, Calissendorff J, Brismar K. Alcohol ingestion decreases both diurnal and nocturnal secretion of leptin in healthy individuals. Clinical endocrinology. 2001;55(5):639-647.
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  20. Holmes MV, Dale CE, Zuccolo L, et al. Association between alcohol and cardiovascular disease: Mendelian randomisation analysis based on individual participant data. Bmj. 2014;349:g4164.
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  22. Verster JC. The alcohol hangover–a puzzling phenomenon. Alcohol & Alcoholism. 2008;43(2):124-126.
  23. Piumatti G, Moore SC, Berridge DM, Sarkar C, Gallacher J. The relationship between alcohol use and long-term cognitive decline in middle and late life: a longitudinal analysis using UK Biobank. Journal of public health (Oxford, England). 2018;40(2):304-311.
  24. Au Yeung SL, Jiang CQ, Cheng KK, et al. Evaluation of moderate alcohol use and cognitive function among men using a Mendelian randomization design in the Guangzhou biobank cohort study. American journal of epidemiology. 2012;175(10):1021-1028.
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