O interesse pela suplementação com L-carnitina não é recente, aliás, devido às importantes funções que a carnitina desempenha no metabolismo lipídico, a sua suplementação começou a ganhar popularidade nos finais do século XX.1
Atualmente, mais de 20 anos depois, os suplementos de L-carnitina continuam a ser comercializados e utilizados. De facto, um estudo recente realizado em Portugal com utilizadores de ginásio observou uma prevalência de utilização de 14,5 % entre homens e mulheres.2
Entre outros potenciais benefícios já associados à suplementação com L-carnitina, a perda de peso é um dos que se tem mantido ao longo dos anos. Mas será que a evidência científica suporta a sua utilização para este fim? É isso que este artigo vai explorar, mas primeiramente será relevante perceber o que é a L-carnitina e qual o racional teórico para a sua suplementação.
O que é a L-carnitina?
O nome carnitina deriva de carnis (palavra Latina para carne) por ter sido isolada pela primeira vez a partir de tecido muscular.3 Quimicamente, a carnitina é uma amina quaternária, solúvel em água4 e existe em duas isoformas, das quais apenas o isómero L é biologicamente ativo, motivo pelo qual é designada por L-carnitina.5,6
A L-carnitina encontra-se naturalmente presente no corpo e existe em todas as espécies de mamíferos.7 Nos humanos, é no músculo esquelético que se encontram mais de 95 % das reservas corporais. O indivíduo saudável tem a capacidade de a sintetizar no fígado, rins e cérebro8 a partir de dois aminoácidos essenciais, a lisina e a metionina, e das vitaminas B1, B6 e C e de ferro ferroso (Fe2+) como cofatores.9,10
Contudo, a ingestão alimentar é o maior contribuidor para as reservas. As principais fontes alimentares são a carne, principalmente a vermelha, e os lacticínios. Também está presente em frutas e hortícolas, embora em quantidades negligenciáveis.7 Consequentemente, indivíduos vegetarianos possuem reservas inferiores comparativamente a indivíduos omnívoros,11 mas parece existir um mecanismo compensatório para a ingestão alimentar inferior, através de uma maior biodisponibilidade.12
Qual é a função da L-carnitina?
A mais importante e mais documentada função da L-carnitina no metabolismo humano, nomeadamente no músculo esquelético, é o auxílio na translocação do grupo acil dos ácidos gordos de cadeia longa para o interior da matriz mitocondrial onde irão ser submetidos ao processo de ß-oxidação.13
Tendo como base esta função, o principal fundamento teórico para a suplementação com L-carnitina como agente da perda de peso baseia-se na assunção de que aumentar a ingestão de L-carnitina, através da suplementação, resultaria no aumento da oxidação de gordura. Consequentemente, este aumento da oxidação de gordura levaria à redução progressiva das reservas de gordura corporais.14
No entanto, cedo se percebeu que esse processo não seria simples. Tal deve-se, em parte, ao elevado gradiente de concentração existente entre o músculo e o plasma e, dado que no estado basal, a entrada de L-carnitina para o músculo esquelético está saturada, o simples aumentar da ingestão de L-carnitina é improvável que aumente a sua concentração no músculo.15
Após diversas tentativas, em 2011, observou-se que era possível aumentar as reservas musculares de carnitina, através da ingestão simultânea de 1,36 g de L-carnitina com 80 g de hidratos de carbono.16 No entanto, apesar de potencialmente efetivo para o aumento das reservas, do ponto de vista da perda de peso não parece um processo viável.
Finalizada esta breve contextualização teórica, passaremos em seguida para a análise da evidência científica.
Ao longo dos últimos anos têm vindo a ser publicadas diversas revisões sistemáticas e meta-análises cujo foco incidiu nos potenciais efeitos da suplementação com L-carnitina tanto na perda e manutenção do peso, como ao nível da composição corporal.17-19
Em 2016, uma destas revisões sistemáticas e meta-análises reportou que os indivíduos que receberam a suplementação com L-carnitina reduziram significativamente o peso corporal [Diferença Média (DM): - 1,33 kg; IC 95%: -2,09 a 0,57] e o IMC (DM: -0,47 kg/m2; IC 95%: - 0.88 a 0.05).17
Perante estes resultados e um reduzido número de estudos incluídos, os autores concluíram que a L-carnitina poderá ser um fármaco efetivo para a perda de peso. A conclusão precipitada e as potenciais limitações metodológicas foram posteriormente comentadas por outros autores.20
Publicados este ano, resultados de uma outra revisão sistemática e meta-análise revelaram que a suplementação com L-carnitina reduziu significativamente o peso corporal (DM: −1,129 kg, IC 95 %: −1.590 a −0.669), o IMC (DM: −0,359 kg/m2, IC 95 %: −0,552 a −0,167) e a massa gorda (DM: −1,158 kg, IC 95 %: −1,763 a −0,554).18
Nesta, ao contrário da anterior, um maior número de estudos foram incluídos e foi ainda feita uma análise no sentido de isolar o efeito da L-carnitina.
Um outro trabalho, também publicado este ano obteve resultados bastante semelhantes. Os autores reportaram que a suplementação de L-carnitina conduziu a uma redução significativa do peso corporal (DM: -1,21 kg; IC 95%: -1,73 a -0,68 kg), do IMC (-0.24 kg/m2; -0.37 a -0.10 kg/m2) e da massa gorda (-2.08 kg; IC 95%: -3.44; -0.72 kg).
Observaram ainda uma associação não linear de dose-resposta entre a suplementação com L-carnitina e a redução do peso corporal, que sugeriu que a ingestão de 2000 mg / dia fornece o efeito máximo em adultos.19
Analisando todos estes resultados, embora apresentem significado estatístico, do ponto de vista clínico os efeitos são bastante modestos. Ainda assim, será relevante explorar os estudos incluídos nestes trabalhos, particularmente as características dos participantes e o protocolo de intervenção.
Começando pelas características dos participantes, na grande maioria dos estudos publicados, os participantes possuem diversas patologias, das quais a Diabetes Mellitus tipo 2 ou a suplementação de pacientes em hemodiálise são as mais comuns. Poucos são aqueles em que os participantes têm apenas excesso de peso ou obesidade.
Já no que diz respeito ao protocolo de intervenção, é bastante comum a suplementação de L-carnitina não estar isolada, mas sim conjugada à prática de exercício físico, inserida em dietas com restrição energética, ou até mesmo conjugada com a toma de fármacos.
Em suma, fatores como estes aqui referidos e a heterogeneidade dos estudos publicados até à data, condicionam os resultados e limitam bastante a extrapolação dos dados para populações com diferentes características. Assim, conclusões retiradas destes estudos devem ser bastante cautelosas.
Autor: Catarina Oliveira
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