Avançar para o conteúdo principal

É Possível Reverter a Intolerância e a Aversão ao Leite?

O leite é um alimento muito interessante do ponto de vista nutricional. Não só é rico em vitaminas e minerais como também contém duas das proteínas mais interessantes para aqueles que praticam musculação e outros desportos, a proteína whey (soro de leite) e a caseína.

Em artigos anteriores já falamos dos benefícios que estas duas proteínas podem proporcionar, especialmente para aqueles que praticam desportos de força.

A whey é apenas a proteína que tem maior valor biológico de todas e também é que tem níveis mais elevados de BCAAs. Proporciona ainda vários outros benefícios, incluindo para os atletas de resistência. Recomenda-se a sua ingestão sobretudo nas refeições pré-treino e pós-treino.

A caseína é uma proteína de digestão mais lenta e que, quando ingerida antes de deitar, pode reduzir o ambiente “catabólico” provocado pelo jejum noturno.

Para além disso, várias investigações sugerem que o leite também é um excelente alimento para promover o aumento da força e da massa muscular quando ingerido nas refeições pós-treino. Também é tão ou até mais eficaz como bebida de re-hidratação do que as bebidas comerciais típicas para desportistas (1).

No entanto, e apesar de ser um alimento bastante nutritivo, que proporciona as proteínas acima mencionadas e outros nutrientes essenciais como a vitamina B12 sem a necessidade de sacrificar animais (ao contrário do que acontece com a carne e o peixe), são muitas as pessoas que evitam o leite por serem intolerantes ou por sentirem repulsa.

Outro aspeto importante que tenho que mencionar aqui, é que para os adultos é bastante difícil atingir a Dose Diária Recomendada de cálcio sem a ingestão de leite ou de outros lacticínios, que são dos alimentos mais ricos em cálcio (2).

É possível reverter a intolerância e a aversão ao leite?

Num estudo publicado e Abril de 2014, realizado na Universidade de Purdue, os investigadores pretenderam verificar se seria possível reverter a aversão ao leite e a intolerância à lactose administrando, durante 21 dias, quantidades crescentes de leite a indivíduos que normalmente evitavam a ingestão de leite por serem intolerantes à lactose ou por terem aversão ao leite (3).

Para este estudo, os investigadores conseguiram recrutar 27 voluntários, que foram instruídos a ingerir quantidades cada vez mais elevadas de leite de vaca ao longo de 21 dias, até chegarem a ingerir dois copos de leite por dia.

Após esses 21 de exposição crescente ao leite, os voluntários também foram acompanhados ao longo de mais seis meses.

Resultados:

Estes investigadores puderam comprovar que tanto os indivíduos intolerantes à lactose como aqueles que digeriam mal o leite obtiveram uma diminuição significativa dos sintomas adversos derivados da ingestão do leite.

Para além disso, verificaram ainda uma diminuição do nível de aversão e um aumento do gosto pelo leite, bem como um aumento da ingestão de leite e do consumo de cálcio após 3 e 6 meses depois da intervenção.

Comprovou-se também que estas mudanças na ingestão de leite não estavam relacionadas com o estado digestivo ou demográfico dos voluntários.

Os investigadores concluíram:

Os dados que obtivemos aqui sugerem uma reversão da aversão ao leite a possibilidade de que, aqueles que evitam o leite poderão ser capazes de aumentar o gosto pelo leite e de o incorporaram na sua dieta após um aumento da exposição a este alimento.

Outros estudos deixam algumas dicas para aqueles que têm problemas com a ingestão do leite (4, 5).

  • O leite deve ser ingerido preferencialmente com outros alimentos, para atrasar o trânsito intestinal para a lactose.
  • A lactose presente nos iogurtes que contêm culturas de bactérias é melhor digerida do que a lactose presente no leite.
  • Para aqueles que são muito afetados pelos sintomas da intolerância à lactose, os suplementos de b-galactosidase (enzima que hidroliza a lactose) ou o leite sem lactose, são boas alternativas ao leite não processado.
  • Para muitos indivíduos, a exposição repetida a alimentos que contêm lactose (leite e/ou lacticínios) pode aumentar a capacidade de fermentação das bactérias do cólon para produzir produtos nutritivos e ricos em energia a partir da lactose.
  • A ingestão de kefir, que, tal como acontece com o iogurte comum, também contem probióticos que auxiliam na digestão da lactose, é outra possibilidade para melhorar a digestão da lactose.

Conclusão

Este estudo é bastante interessante porque sugere que é possível reduzir a intolerância à lactose, a incidência de problemas gastrointestinais e o nível de aversão ao leite, simplesmente aumentando gradualmente a exposição a este alimento naqueles indivíduos que geralmente o costumam  evitar.

Estas poderão ser boas notícias para aqueles que sofrem de problemas relacionados com a ingestão de leite mas que, ao mesmo tempo, gostariam de aumentar a sua ingestão.

No entanto, e sobretudo se o seu nível de intolerância ou de alergia ao leite/lactose for muito elevado, será sempre boa ideia consultar o seu médico e/ou nutricionista antes de iniciar a toma deste alimento.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Os Suplementos Termogénicos Funcionam?

A obesidade encontra-se classificada como uma doença crónica cuja prevalência tem vindo a aumentar ao ponto de atualmente ser considerada uma pandemia. ¹ Atualmente, verifica-se que a maioria da população europeia (60%) encontra-se na categoria de pré-obesidade, ou obesidade. ¹ Em Portugal o cenário é relativamente similar, com 57,1% dos indivíduos a apresentar um índice de massa corporal ≥25 kg/m². ²   Logicamente, esta população numerosa representa um mercado apetecível para as empresas envolvidas na produção e/ou comercialização de suplementos alimentares, que ambicionem aumentar as suas vendas.  Do conjunto de suplementos direcionados para a perda de peso/gordura, destacam-se os termogénicos, os quais, supostamente, promovem um aumento da lipólise através de um aumento do metabolismo, induzido por determinados compostos presentes nesses suplementos.  Mas será que os suplementos termogénicos efetivamente facilitam a perda de peso ou de gordura em indivíduos pré-obesos ...

Quantidades Mais Elevadas de Proteína Afetam Negativamente a Saúde a Longo Prazo?

Afirma-se com alguma frequência que ingestão de quantidades relativamente mais elevadas de proteína tem um impacto negativo na saúde, sobretudo a médio-longo prazo.  Entre os putativos efeitos negativos temos, por exemplo, perturbações a nível renal, problemas cardiovasculares, maior probabilidade de problemas de saúde na velhice incluindo menor saúde metabólica, menor longevidade e outros.( 1 )  Mas será que uma maior ingestão de proteína realmente prejudica a saúde a longo prazo?  Kitada et al. (2024)  Recentemente, foi publicado um estudo que pretendeu avaliar os efeitos da ingestão de proteína a longo prazo, no envelhecimento de 3721 mulheres que participaram no famoso estudo prospetivo Nurses Health Study.  Mais precisamente, estes investigadores pretenderam testar a hipótese de que uma ingestão mais elevada de proteína se associa a uma maior probabilidade de envelhecimento saudável.  Neste caso, envelhecimento saudável correspondia a uma boa saúde me...

Os BCAAs São Úteis Para Praticantes de Musculação?

Pode-se afirmar que os aminoácidos representam os blocos de construção do músculo esquelético e de outras proteínas que integram o corpo humano.  De um total de 20 diferentes aminoácidos que podem formar as diversas proteínas presentes no corpo humano, 9 são considerados “aminoácidos essenciais” por não poderem ser sintetizadas nos tecidos corporais e têm obrigatoriamente de ser obtidas a partir da dieta.  No conjunto de 9 aminoácidos essenciais incluem-se os aminoácidos de cadeia ramificada. São eles a leucina, isoleucina e valina, e constituem cerca de 14% do total de aminoácidos que constituem as proteínas do músculo esquelético.  Os aminoácidos de cadeia ramificada, ou BCAAs, são dos suplementos mais consumidos (36,8%) pelos portugueses que frequentam os ginásios.  A sua popularidade baseia-se na crença, alimentada por campanhas de marketing financiadas por empresas de suplementos, de que os BCAAs têm propriedades anabólicas e anti-catabólicas. Kaspy et al. (2023...